me desculpe

me desculpe se nasci,
realmente não pedi isso
me desculpe se o modo que vivo incomoda,
realmente não sei viver de outra forma
me desculpe se quem amo é tão importante pra ti, realmente não sei amar diferente
me desculpe se meu cabelo, se minhas roupas, se minhas gírias, se tudo que faz parte da minha cultura e do meu modo de viver te enojam

mas afinal, por que tu existes?
se nenhum de nós pediu para nascer,
se nenhum de nós pode controlar a quem será destinado seu amor,
se nenhum de nós pode negar para si sua cultura,

se todos nós somos tão diferentes,
mas no fundo, somos tão iguais...

se todos nós sangramos o mesmo tom de vermelho,
se todos nós somos filhos de uma mesma mãe,
se todos nós nos fazemos neste mesmo mundo,
por que ainda guarda ódio a seus irmãos e irmãs?

penso em você enquanto estou com outras pessoas e sei que é errado,
para mim
para você
e principalmente
para as outras pessoas
e essas já sabem
que jamais me entregarei a elas
mas nunca disse que me entregaria a você também
só digo que gostaria de acordar ao seu lado com mais frequência e te acompanhar pela cidade, andar de metrô e conversar sobre as figuras urbanas, assistir cenas que só a visão poética nos permite enxergar ou talvez
apenas te visitar
em um dia chuvoso
para te fazer companhia
e assistir o tempo passar
pela janela
a fumaça se dissipando
nossos cigarros queimando
e esse é o meu problema.
o puro desejo de alcançar essa impossibilidade que é me permitir
e te deixar entrar
então num dia qualquer
após um encontro de corpos
que me deixa ausente
vejo seu rosto em minha mente
que mente
inutilmente
ao dizer
"foi mal mas não pude te amar"

se eu pudesse te dizer, eu diria, mas acontece que o tempo passa tão depressa e devagar ao mesmo tempo que mal pude perceber quando me encontrei em seus braços mesmo lembrando do caminho.

se eu pudesse descrever, eu descreveria, mas acontece que meu sangue, frio e lava, diria poucas palavras em dizeres academistas sem emoção alguma mesmo em êxtase por dentro, como coração de maratonista.

se eu pudesse me expressar, eu expressaria, mas acontece que, envergonhado e calorento, mal consigo demonstrar tamanho sentimento e manter o fôlego intacto.

e me expresso, descrevo e te digo, várias vezes, sempre que posso, sempre que me esqueço, tão pouco pouco perto do que estou sentindo.

se é para me viciar,
que venha a overdose.